Mestre Gichin Funakoshi (1868-1957)
menos conhecemos este fato: ele se enraizou e é amplamente praticado em toda a Ásia,
entre povos que professam credos tão distintos como o budismo, o islamismo, o
hinduísmo, o bramanismo e o taoísmo. No transcurso da história humana, artes de
autodefesa específicas atraíram seus próprios seguidores em várias regiões da Ásia, mas
existe uma semelhança subjacente básica entre todas elas. Por esta razão, de um modo
ou de outro, o karatê se relaciona com as outras artes de autodefesa orientais, embora
(penso poder afirmar) seja ele, atualmente, a mais praticada de todas.
O inter-relacionamento se evidencia de imediato quando comparamos o motivo por
trás da filosofia moderna com o da filosofia tradicional. A primeira tem suas raízes
lançadas na matemática; a última, no movimento físico e na técnica. Os conceitos e idéias,
as línguas e os modos de pensar orientais foram modelados, até certo ponto, por sua
conexão intima com as habilidades físicas. Mesmo naquelas situações em que as
palavras, e também as idéias, passaram por mudanças de sentido inevitáveis no decorrer
da historia humana, descobrimos que suas raízes permanecem solidamente encravadas
em técnicas físicas.
Há um ditado budista que, como muitas outras máximas do budismo, é
manifestamente autocontraditório, mas, para o karateca, confere um significado especial à
sua prática técnica. Traduzido, o ditado reza, ‘Movimento é não-movimento, nãomovimento
é movimento.Esta é uma tese que, mesmo no Japão contemporâneo, é aceita
pelos educadores e, devido à sua familiaridade, a máxima pode ser até mesmo abreviada
e utilizada adjetivalmente em nossa língua.
Um japonês que busque ativamente a auto-iluminação dirá que está “treinando sua
barriga” (hara wo neru). Embora a expressão possa ter implicações amplas, sua origem se
encontra na necessidade óbvia de enrijecer os músculos do estômago, um pré-requisito
para a prática do karatê, que é, afinal de contas, uma técnica de combate. Levando os
músculos do estômago a um estado de perfeição, o karateca é capaz de controlar não
somente os movimentos de suas mãos e pés, mas também sua respiração.
O karatê deve ser quase tão antigo quanto o homem, que desde seus primeiros dias
se viu obrigado a enfrentar, desarmado, as forças hostis da natureza, animais selvagens e
inimigos entre seus semelhantes humanos. Ele logo aprendeu, criatura insignificante que
é, que em seu relacionamento com as forças naturais a
acomodação era mais sensata que a luta. Entretanto, onde havia um equilíbrio maior, nas
hostilidades inevitáveis com os seus semelhantes, ele foi obrigado a desenvolver técnicas
que lhe permitissem defender a si mesmo e, esperançosamente, derrotar o inimigo. Para
que isso acontecesse, aprendeu que tinha de ter um corpo saudável e forte. Assim, as
técnicas que começou a desenvolver — as técnicas que por fim foram incorporadas ao
Karatê-dô são uma feroz arte de combate, mas são também elementos da absolutamente
importante arte da autodefesa.
No Japão, o termo sumô aparece na antologia poética mais antiga do pais, o Man
‘yõshú. O sumô daquele tempo (século oitavo) integrava não somente as técnicas que
encontramos no sumô atual mas também as do judô e do karatê; este último teve um
desenvolvimento maior devido ao incentivo do budismo, visto que os monges o utilizavam
como um meio de percorrer o caminho rumo à auto-iluminação. Nos séculos sétimo e
oitavo, budistas japoneses viajaram para as cortes de Sui e T’ang, onde aprenderam a
versão chinesa da arte, trazendo para o Japão alguns de seus aperfeiçoamentos. Durante
muitos anos, aqui no Japão, o karatê continuou confinado nos largos muros dos templos,
de modo particular dos do budismo zen; aparentemente, não era praticado por outras
pessoas até que os samurais começaram a treinar no recinto dos templos e assim ficaram
sabendo da existência da arte. Como o conhecemos atualmente, o karatê foi aperfeiçoado,
nos últimos cinqüenta anos, por Gichin Funakoshi.
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